PEQUIM, 13 de novembro (Diário do Povo Online) - Em qualquer dia da semana, a maioria das pessoas que se exercitam no centro de fitness DTJX no distrito de Changping de Pequim s?o reformados.
Quando um homem de cabelo grisalho sai da piscina, demonstrando um físico musculado e uma aparência de modelo, é quase impossível para os restantes membros do centro n?o o admirarem - é ainda mais difícil acreditar que já conta com 79 anos de vida.
Toda a gente no ginásio conhece Wang Deshun, e todos sabem que se tornou numa celebridade online desde o início do ano.
Em mar?o, Wang arrasou na passerelle China Fashion Week em Pequim, roubando, com o seu cabelo grisalho, peito definido e passadas confiantes, o foco das camaras às jovens modelos.
Wang n?o é, de todo, o típico avozinho chinês que gosta de se exercitar no parque. O seu físico e presen?a de palco s?o fruto de décadas de trabalho no domínio das artes e da performance.
Nascido em 1936 em Shenyang, na província de Liaoning, Wang é pantomimeiro, artista e ator de cinema.
“As express?es faciais e corporais das pessoas s?o um projeto que senti a necessidade de explorar durante toda a minha vida”, disse.
“Velha carne fresca”
Após o show, a página do Weibo (vers?o chinesa do Twitter) de Wang rapidamente atraiu 200,000 seguidores. é agora conhecido de forma afetuosa na internet por “v?”, “jovem sénior” e “velha carne fresca”, em referência ao termo “pequena carne fresca” (termo que em chinês, logicamente, soa mais natural do que em Português) usado para descrever homens/rapazes charmosos entre os 12 e os 25 anos de idade.
Contudo, Wang dissera já ser relativamente conhecido na esfera do teatro internacional antes do show torná-lo numa estrela viral.
Em 1979, Wang tornou-se um modelo de vida na Academia de Belas Artes de Shenyang, onde deu início à sua jornada de desenvolvimento físico. Trabalhou como ator de palco, durante os anos 80, quando o teatro chinês come?ou a seguir com mais aten??o a pantomima ocidental, e tornou-se membro da primeira gera??o de “beipiao” (habitantes que se mudam para Pequim vindos de outras províncias) aos 49 anos de idade.
“O meu corpo é o meu trabalho. Exibir o meu corpo é exibir o meu trabalho”, disse.
A arte pantomímica de Wang foca-se em poses esculturais. O primeiro programa que criou foi “A Cobra e o Camponês”, uma história que conta como um camponês trouxe de volta à vida uma cobra por ter pena do animal e que acaba sendo mordido. Ele interpreta tanto o camponês como a cobra.
“Para encarnar um feto, um prisioneiro, a morte ou uma cobra, é necessário um conjunto de habilidades físicas”, disse. A habilidade de usar o corpo, diz Wang, é a parte mais difícil da sua arte. N?o basta ser agraciado com um bom físico e talento para os movimentos. é também preciso um treino árduo.
A idade n?o o deteve de continuar com o seu exercício diário.
Escultura Viva
Wang irradia paix?o ao falar da dimens?o de significados que a expressividade facial e corporal detêm.
Para o demonstrar, encarnou o conceito de ausência de esperan?a, olhando fixamente o ar com a boca aberta em descren?a, como se tivesse acabado de receber alguma notícia devastadora. Embora n?o se movimentasse, os seus músculos faciais estavam contraídos de uma forma a registar de forma vívida uma mudan?a de um estado de espírito positivo para um desolado. “Uma pequena altera??o na tens?o dos músculos pode alterar as emo??es que expressamos radicalmente”, disse.
“A pantomímica deve ser feliz e ter a capacidade de entreter, mas cheguei à conclus?o que todos os meus trabalhos s?o trágicos”, disse Wang, acrescentando que as suas ideias est?o muito relacionadas com as suas experiências de vida.
Um dos períodos mais difíceis da sua vida deu-se durante a Revolu??o Cultural (1966-1976). Wang e a sua esposa estavam casados há um ano quando a sua companheira terá sido presa sob acusa??es sem fundamento.
“A dor de sentirmos a falta um do outro quase me levou à demência”, disse. “Uma vez fui à esta??o de comboio, sabendo que n?o haveria forma dela aparecer, contudo, ainda alimentava a ténue esperan?a de poder ver a minha mulher entre os passageiros”.
Ele procurou na esta??o o dia todo até ter finalmente percebido que teria de se salvar. Durante os dois anos de separa??o, tentou envolver-se em todos os tipos de hobbies. Conseguiu até montar uma televis?o com objetos inutilizados pelas fábricas.
“Se o nosso amor n?o fosse t?o profundo, eu n?o teria sofrido tanto. Deste modo, amor é sofrimento”, frisou. “Inconscientemente, esta experiência está presente em todos os meus trabalhos”.
Recusa de envelhecer
A fama inesperada chegou quase duas décadas após Wang ter atingido os 60 anos, a idade de aposenta??o legal da China. Wang espera que esta história sirva de lembrete para os cidad?os mais velhos, assim como para os jovens. De acordo com o relatório publicado pela Reparti??o Nacional de Estatística em fevereiro, há cerca de 212 milh?es de pessoas na China com 60 ou mais anos de idade.
A vida de Wang n?o está limitada a ajudar a cuidar dos netos, continuando a cuidar do seu físico e da sua carreira.
“N?o tenho a certeza de que a restante popula??o da minha idade gostasse de viver da forma como vivo. A maior parte procura uma vida estável e confortável”, asseverou, “...ao longo dos milénios, a cultura chinesa tem-se focado na estabilidade e na doutrina confuciana que ensina as pessoas a n?o serem nem demasiado submissas nem demasiado agressivas. Eu penso ser um rebelde”.
Atualmente, cada vez mais cidad?os séniores se tornam sensa??es como Wang nas redes sociais como ícones da moda ou pioneiros de desportos radicais, recebendo aplausos da comunidade online. “N?o me conformo com uma vida estável e solitária. Adoro novos desafios”.
Edi??o: Mauro Marques