Por Mauro Marques
Cada vez mais presente no cenário mundial, a China é atualmente um destino atrativo nos planos de internacionaliza??o de empresas um pouco por todo o mundo. Os países da lusofonia n?o s?o uma exce??o a esta tendência, como comprovam os números crescentes referentes às trocas comerciais entre ambas as partes.
O Diário do Povo Online entrevistou Pedro A. Vieira, especialista em negócios internacionais, docente universitário (Porto Business School e Universidade do Minho) e investigador de doutoramento no ambito da gest?o e comunica??o intercultural.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Corria o ano de 2005 quando nasceu a Market Access, uma empresa portuguesa, criada por um grupo de portugueses e um chinês, com a miss?o de apoiar a internacionaliza??o de empresas. O nosso entrevistado foi um dos sócios fundadores.
“A China era, é estranho dizer isto, porque n?o vai há muito tempo, mas a China era desconhecida da maioria dos portugueses”, refere, aludindo aos seminários que lecionava ent?o sobre as especificidades do mercado chinês.
“Lembro-me de fazer as primeiras sess?es para empresários e ter que come?ar por desmistificar a imagem que tinham da China, de pessoas de fato de trabalho azul a andar de bicicleta, quando a China, naquela altura, já era extremamente moderna, com cidades cosmopolitas e padr?es de consumo impressionantes”, recorda.
O chamariz de um desenvolvimento rompante, ilustrado com dois dígitos de crescimento anual do PIB, levou muitas empresas portuguesas a considerar o mercado chinês como prioritário, impelidas por um entusiasmo que, em alguns casos se revelou impulsivo.
“As empresas, nos primeiros contactos que tinham com o mercado chinês, tinham a falsa sensa??o de proximidade e de que os negócios se faziam mais ou menos da mesma maneira [em ambos os países]. Algumas foram bem-sucedidas, mas outras esbarraram em muitas barreiras que n?o s?o muito visíveis nos negócios com países assim t?o distantes”, explica.
Nem tudo o que parece, é
As empresas est?o “cada vez mais conscientes dos desafios inerentes à globaliza??o”, salienta o empresário. As distancias “geográfica, administrativa e cultural”, afiguram-se como algumas das barreiras a ter em conta, adverte.
No que concerne à distancia geográfica, as facilidades existentes nos mercados com os quais Portugal está mais familiarizado, e que permitem uma simplifica??o na comunica??o (fuso horário) e nas desloca??es “com menos custos e com mais regularidade”, n?o se verificam com a China.
“Isso é importantíssimo. Sobretudo numa cultura como a chinesa. Estar com as pessoas, criar rela??es e poder dar apoio na promo??o dos produtos e servi?os”, enfatiza.
No que diz respeito da distancia administrativa, o entrevistado citou, em contraponto com a China, casos como a Uni?o Europeia ou o Canadá, onde a circula??o de bens e servi?os é manifestamente mais simples ao nível de processos burocráticos e aduaneiros.
Por fim, surge a distancia cultural, onde est?o englobados parametros como “a língua, formas de fazer negócio e padr?es de consumo”.
No ambito dos desafios à abordagem do mercado chinês, Pedro A. Vieira enumerou alguns dos erros mais recorrentes: pensar num retorno do investimento a curto prazo; considerar ser possível resolver tudo à distancia; assumir semelhan?as e n?o dar importancia às diferen?as.
“Aparentemente existem muitas [semelhan?as]. Aquilo que é mais visível é relativamente parecido e, se for assumido que é semelhante, n?o haverá preparo suficiente para as diferen?as que v?o decretar a existência ou ausência de sucesso”, frisou.
T?o longe, t?o perto
A distancia continental que separa Portugal e, em certa medida, a vasta maioria da lusofonia da China n?o determina, contudo, que as culturas dos seus povos sejam totalmente distintas.
“A forma como no Brasil, Portugal, China e em outros países da lusofonia se dá importancia à conquista da confian?a através da cria??o de um relacionamento, muitas vezes pessoal”, é um fator que, defende, facilita processos que, em outras culturas, levariam certamente mais tempo a superar.
“Nalguns países, como por exemplo a Holanda ou a Alemanha, a confian?a é mais dependente daquilo que se entrega e da capacidade de cumprir aquilo que foi prometido, independentemente de haver uma rela??o pessoal. ‘Negócio é negócio, conhaque é conhaque’. O negócio e o conhaque (ou o baijiu) em Portugal e na China misturam-se. Eu noto que isso funciona bem e aproxima-nos”.
No caso do Brasil, país lusófono com o qual o entrevistado também está profissionalmente familiarizado, s?o cada vez mais as empresas que procuram concretizar “oportunidades de mercado nos bens de consumo”. Tal fenómeno indicia uma tendência que refuta a composi??o habitual das exporta??es brasileiras para a China, baseadas em matérias-primas.
“água de coco, bebidas com a?aí. Produtos com cunho brasileiro e ligados a estilos de vida saudáveis, os chamados superalimentos (...) Os chineses têm cada vez mais em aten??o produtos alimentares com benefícios para a saúde”.
No entanto, ao invés de eleger setores, Pedro Vieira destaca a necessidade de “olhar este processo empresa a empresa (…) O que é importante real?ar é que qualquer empresa que tenha um produto, equipamento ou servi?o com qualidade e diferenciado e que tenha uma equipa de trabalho com as competências necessárias e motivada, vai encontrar oportunidades num mercado t?o grande como é a China. N?o tenho dúvidas. E tem que ser persistente e ter a capacidade interna de supera??o das barreiras sobre as quais já falámos”, afian?ou.
Para tal, contribui uma realidade hoje bem diferente de 2005: “Nunca houve tanta gente a falar chinês e nunca houve tantos chineses a falar português. Nunca houve tantas pessoas nos países lusófonos a saber tanto sobre a cultura chinesa como hoje e de chineses a conhecer a lusofonia”.