Chen Yiming,Rio de Janeiro
Marcos Pires
Por ocasi?o da 14a Cúpula do BRICS, o repórter do Diário do Povo no Brasil entrevistou Marcos Cordeiro, professor de rela??es internacionais da Universidade Estadual Paulista.
Confira a entrevista na íntegra.
Repórter: A 14a Cúpula do BRICS está prestes a ser realizada. Este ano, os países do BRICS fizeram algum progresso na coopera??o em áreas-chave como seguran?a política, economia, comércio e finan?as, saúde pública, desenvolvimento sustentável, entre outros. Em que área você está mais impressionado com o progresso da coopera??o? Quais s?o suas expectativas para a reuni?o da cúpula deste ano? O que acha das conquistas do mecanismo de coopera??o do BRICS nos últimos anos?
Marcos Cordeiro:Como observador das atividades do grupo dos BRICS, desde sua cria??o em Ecaterimburgo, em 2009, temos visto o avan?o nas rela??es entre Brasil, Rússia, índia, China e áfrica do Sul. A articula??o do grupo permitiu que a voz dos países em desenvolvimento fosse ampliada nas rela??es internacionais, como na OMC, FAO, FMI ou no Banco Mundial. A coordena??o política entre os líderes dos cinco países viabilizou uma maior participa??o dos demais países em desenvolvimento nos fóruns de governan?a global. Merece destaque a cria??o do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e a participa??o decidida do BRICS na estrutura??o do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB). Além disso, é digno de men??o as articula??es com vistas a melhorar a coopera??o, como nos campos aeroespacial, agricultura, finan?as, comunica??es, intercambio acadêmico, etc. Ao longo desses 13 anos melhorou fortemente o conhecimento mútuo entre os povos dos BRICS, criando as bases de uma amizade duradoura.
Repórter: Desde a epidemia, os países do BRICS têm dado as devidas contribui??es à luta global contra a epidemia, com base em seus próprios esfor?os antiepidêmicos. O que você acha da coopera??o antiepidêmica e da contribui??o dos países do BRICS para a antiepidemia global?
Marcos Cordeiro:O papel dos países do BRICS no combate à pandemia foi muito relevante. Em primeiro lugar, destaco a atitude da China no rápido compartilhamento de informa??es básicas sobre o coronavírus. Quando a pandemia chegou nos países do Ocidente, em fevereiro de 2020, a China já havia feito o sequenciamento genético e compartilhado com diversos centros de pesquisa. Especificamente com rela??o ao Brasil, cabe destacar a tradu??o para o português do livro "Manual de Preven??o e Controle da Covid-19" do Dr. Wenhong Zhang, cuja edi??o foi patrocinada pelo Banco da China, o Escritório do Conselho Internacional de Promo??o Comercial da China no Brasil e a Associa??o Brasileira de Empresas. Numa fase seguinte, a China teve um papel importante em compartilhar respiradores mecanicos e outros insumos médicos para o tratamento da Covid-19. A fase seguinte foi o desenvolvimento de vacinas, como fizeram a China, a Rússia e a índia. Os laboratórios desses países e a capacidade de produ??o de insumos médicos instaladas foram essenciais numa resposta mais rápida para o combate à pandemia. Num momento seguinte, China, Rússia e índia lideraram a distribui??o de vacinas para outros países em desenvolvimento. Acredito que a experiência acumulada nesse processo seja um patrim?nio a ser utilizado em eventuais novas crises sanitárias no mundo.
Repórter: A presidência dos países do BRICS este ano cabe à China. Como você vê o seu papel na promo??o das conquistas do BRICS no “Ano da China”?
Marcos Cordeiro:Desde que foi anunciada como anfitri? da XIV Cúpula dos BRICS, a China tem organizado diversas atividades para proporcionar os mais variados debates sobre os temas de coopera??o entre os países do bloco, n?o apenas aqueles que envolvem os quadros burocráticos de cada país, mas também abriu espa?o para o intercambio pessoa a pessoa, mesmo considerando as dificuldades criadas pelas medidas de conten??o da Covid-19, que impedem reuni?es presenciais. O trabalho até aqui desenvolvido tem sido exemplar, tal como temos acompanhado pelo website.
Repórter:A China prop?s a Iniciativa de Desenvolvimento Global(GDI) e a Iniciativa de Seguran?a Global(GSI). Como você vê a rela??o entre essas iniciativas e o BRICS? O que elas significam para a coopera??o do BRICS?
Marcos Cordeiro:As Iniciativas GDI e GSI s?o importantes estruturas para se pensar a constru??o de uma ordem mundial mais segura e inclusiva, pois os atuais arranjos multilaterais n?o têm conseguido oferecer resultados concretos para as na??es e as pessoas. Veja por exemplo a implementa??o da Agenda 2030 da ONU. As 17 metas do desenvolvimento sustentável est?o cada vez mais distantes de se alcan?ar, pois os impactos econ?micos da pandemia fizeram aumentar a fome, o desemprego e a concentra??o de renda. N?o basta projetar metas ambiciosas sem discutir na prática os meios pelos quais elas ser?o atingidas. Desenvolvimento pressup?e investimentos em áreas chave, como a gera??o de energia, constru??o de modais de transporte, saneamento urbano e, principalmente, na forma??o de m?o-de-obra qualificada. Por conta disso, os países em desenvolvimento precisam se articular no entorno de propostas viáveis, tal como prop?e o GDI. De forma similar, para a constru??o de um ambiente pacífico e colaborativo, nenhum país deve garantir a sua seguran?a em detrimento da seguran?a de outro. é preciso desarmar a mentalidade de guerra fria e a lógica de zero-sum, tal como prop?e a GSI.
Repórter: Diante dos vários riscos e desafios atuais, é mais importante do que nunca fortalecer a solidariedade e a coopera??o entre os países emergentes e os países em desenvolvimento. Qual é a importancia de mecanismos de coopera??o Sul-Sul como o "BRICS+" para o desenvolvimento global?
Marcos Cordeiro:O mundo hoje apresenta desafios sem precedentes. O nosso planeta se encontra muito articulado do ponto de vista econ?mico, tal como mostra o grande fluxo de pessoas e de bens que se deslocam todos os dias. Esta grande articula??o também revelou a existência de muitas vulnerabilidades, tal como mostrou a rápida dissemina??o do coronavírus, seja no sentido de organizar estratégias comuns para combater a doen?a como também pela interrup??o de muitas cadeias produtivas. Adicionalmente, as rea??es dos países ocidentais frente ao conflito na Ucrania revelaram o quanto institui??es de importancia mundial podem ser utilizadas como arma de guerra, principalmente as san??es relacionadas aos fluxos financeiros e aos meios de pagamento.
Os eventos recentes mostram que a institucionalidade criada e controlada pelos países ocidentais pode ser utilizada indiscriminadamente para atingir seus fins políticos, algo que desvirtua os pilares da governan?a global. Por conta disso, apesar dos avan?os trazidos pelo BRICS para o multilateralismo, torna-se necessária uma maior articula??o que potencialize a voz dos países em desenvolvimento. Assim, nesse longo processo de cria??o de uma ordem internacional mais equitativa, a incorpora??o de grandes países como a Argentina, Indonésia, Paquist?o, Nigéria, Egito, México, seria de grande valia para a articula??o dos interesses da maior parte da popula??o mundial e um freio às políticas exclusivistas e agressivas patrocinadas pela potência hegem?nica.
Repórter: Quais s?o as coopera??es bilaterais entre China e Brasil no ambito da coopera??o Sul-Sul? Que impacto positivo trouxe ao desenvolvimento do seu país e ao bem-estar das pessoas?
Marcos Cordeiro:Há dois exemplos de coopera??o entre Brasil e China que s?o paradigmáticos e mostram o potencial da parceria. Em primeiro lugar, o projeto conjunto de desenvolvimento de satélites de rastreamento terrestre, o China–Brazil Earth Resources Satellite program (CBRES). Iniciado em 1988, a coopera??o permitiu a troca de conhecimentos e a forma??o de pessoal de alto nível, além de desenvolver quatro gera??es de satélites. O segundo exemplo ocorreu em 2020, durante a pandemia de Covid-19, no desenvolvimento da primeira vacina utilizada no Brasil, a Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, ligado ao governo do Estado de S?o Paulo.
Repórter: Quais s?o suas expectativas para o "Encontro de Alto Nível do BRICS com Mercados Emergentes e Países em Desenvolvimento"? Quais s?o suas expectativas para a futura coopera??o e desenvolvimento do modelo de coopera??o "BRICS+" e da coopera??o Sul-Sul?
Marcos Cordeiro:O evento assume uma importancia especial justamente quando a comunidade internacional enfrenta múltiplos desafios, como a lenta recupera??o econ?mica pós-covid, a ressurgência da infla??o como um problema mundial, a quebra de cadeias produtivas, a ado??o de medidas unilaterais que comprometem o desenvolvimento do comércio internacional, as amea?as de desglobaliza??o e as amea?as à seguran?a internacional. A amplia??o formal dos BRICS seria uma resposta inteligente para os desafios de nosso tempo. Novos desafios surgem a cada dia, mais problemas como o subdesenvolvimento, a crise de refugiados, a fome e o crime internacional s?o desafios antigos que precisam ser enfrentados com uma nova mentalidade e com um maior nível de coopera??o entre os países em desenvolvimento.