Por Iara Vidal
Desde 2021 o país asiático adota um esquema de circula??o dupla para o desenvolvimento que contempla os mercados interno e externo
Na quarta-feira (7), data nacional do Brasil, quando celebramos 200 anos da nossa independência, conheci melhor o sistema econ?mico da China. Eu e colegas jornalistas latinos assistimos a uma aula esclarecedora e inspiradora sobre o novo esquema de dupla circula??o para o desenvolvimento chinês.
Eu e meus colegas latinos na aula sobre economia chinesa.
Aprender mais sobre o projeto nacional de desenvolvimento deste gigante asiático mexeu um bocado comigo. Em especial nesta data t?o significativa para mim, uma brasileira patriota e democrata que acredita que a soberania do meu país passa por um novo arranjo institucional que coloque o povo brasileiro em primeiro lugar.
Bom deixar claro que, na minha vis?o, uma simples cidad? sem especialidade no tema, o caminho brasileiro para o desenvolvimento passa pela constru??o política e n?o pela egolatria despolitizante e violenta que temos visto durante esse período eleitoral. Uma rota desenvolvimentista é uma constru??o coletiva e n?o um livro de autoajuda. Cada na??o deve fazer a própria receita. Mas vale observar o que tem dado certo e errado em outros locais.
Um bom ponto de partida é olhar para a China, que a despeito de todas as diferen?as, guarda semelhan?as com a realidade brasileira: ambos s?o países continentais, em desenvolvimento e cheios de desafios, como a distribui??o de renda.
Em 10 de abril de 2020, em plena pandemia da Covid-19, a China realizou a VII Reuni?o do Comitê Central de Assuntos Econ?micos e Financeiros. Pouco mais de um ano depois, em 12 de mar?o de 2021, a Assembleia Popular Nacional, o Congresso Nacional da China, aprovou o XIV Plano Quinquenal (2021-2025) de Desenvolvimento Econ?mico e Social Nacional e Objetivos de Longo Prazo para 2035.
Esses dois encontros estabeleceram um novo modelo para a economia chinesa, que há décadas era centrada no mercado externo. O mercado interno ganhou relevancia nesse novo paradigma e a circula??o doméstica passou a ser o esteio do país, sem deixar de lado o comércio internacional. Ambos passaram a se refor?ar mutuamente.
O alto crescimento da economia chinesa nas últimas quatro décadas foi sustentado por dois marcos. Em 1978 houve a Reforma e Abertura e o país passou a participar da economia mundial. Em 2001, a China passou a fazer parte da Organiza??o Mundial do Comércio (OMC).
Nesse período, até 2020, o desenvolvimento econ?mico chinês foi orientado para os mercados internacionais com a vantagem comparativa de baixos custos de produ??o (m?o de obra, materiais, impostos, terras, menos restri??es etc.).
Atualmente, esse modelo passou a enfrentar gargalos como conserva??o ambiental, custos crescentes, capacidade tecnológica e demanda interna. Também houve mudan?as nos cenários global e interno da China com transforma??es na competitividade internacional, nas cadeias e tecidos produtivos, no tamanho do mercado consumidor interno e no ambiente para investimento.
Diante desse novo contexto, a decis?o estratégica de mudar o modelo econ?mico foi tomada em abril de 2021 a partir das mudan?as de estágio, circunstancias e condi??es de desenvolvimento da China.
A reforma abrangente, sistemática, multidimensional e profunda é também uma resposta à mudan?a da situa??o internacional nunca vista ao longo de um século e que inclui a pandemia da Covid-19. O novo esquema econ?mico chinês foi desenhado para alcan?ar a grande revitaliza??o da na??o chinesa.
A China tem um volume anual de negócios superior a 100 bilh?es de RMB (14,35 bilh?es de dólares americanos). No mundo, é a 2a economia, a 1a potência fabril e o 2o polo de consumo.
O país tem a matriz produtiva mais completa do planeta, que contempla 525 subsetores industriais. O poder de compra, para PIB per capita, é acima de 10 mil dólares americanos. A classe média do país é estimada entre meio bilh?o e 700 milh?es de pessoas. Tem conquistado avan?os substanciais na economia digital, comércio eletr?nico e logística.
Por outro lado, o país encara riscos da desglobaliza??o com impactos da pandemia da Covid-19, reindustrializa??o das economias desenvolvidas, nova rodada de competi??o tecnológica global, protecionismo e nacionalismo, tens?es geopolíticas e conflitos comerciais com os EUA. Houve uma queda global da dependência do comércio exterior: queda de 64% em 2006 para 31,5% em 2020.
O novo modelo econ?mico chinês elencou como prioridades os sistemas de mercado, produtivo e industrial, de distribui??o de renda e de consumo.
Para o sistema de mercado, o país tra?ou como objetivo a moderniza??o, unifica??o, abertura, competitividade e regulamenta??o. Para a plena concorrência em igualdade de condi??es, vai promover o acesso a recursos, concorrência e prote??o de direitos por lei. Haverá ainda reforma das empresas estatais para que sejam orientadas para o mercado e melhorem o ambiente de negócios.
Outro ponto para o sistema de mercado s?o as políticas industriais e concorrência, que contemplam mudan?as em apoio, subsídios, incentivos, monopólio e concorrência desleal.
Há ainda compromisso com a abertura para acesso ao mercado, direitos de propriedade intelectual, coes?o com padr?es e práticas internacionais, tratados multilaterais de comércio e investimento, ambiente de negócios e proje??o do mercado global chinês.
Também haverá esfor?os para um mercado unificado e logística fluida com maior eficiência na circula??o de recursos, bens, servi?os, informa??es, tecnologias e capitais.
Para o sistema produtivo industrial, o novo modelo pretende corrigir o desequilíbrio entre os setores produtivo e financeiro. Por exemplo, no primeiro trimestre de 2020, índices chineses apontaram para um PIB de -6,8%, lucros industriais de -36,7% e lucros bancários de +5%.
Também está na lista de mudan?as no sistema produtivo industrial abordar os pontos fracos tecnológicos e de inova??o: ciências básicas, tecnologias-chave, continuidade de negócios, seguran?a do fornecimento. Além de maior investimento em educa??o, pesquisa e desenvolvimento (universidades, laboratórios, empresas).
O ecossistema de inova??o será incentivado com iniciativas governamentais, alian?as industriais, articula??o academia-indústria, talento, colabora??o internacional, valoriza??o de pequenas e médias empresas. Os servi?os financeiros ser?o reposicionados a servi?o do desenvolvimento da economia real e da inova??o tecnológica. Haverá ainda investimentos robustos para a transforma??o inteligente, digital e ecológica na nova infraestrutura (5G, internet das coisas, computa??o de nuvem, blockchain, data centers).
No quesito distribui??o de renda, o antigo modelo econ?mico de industrializa??o baseada em baixos custos humanos e gastos fiscais voltados ao desenvolvimento e à produ??o condicionaram o aumento do poder aquisitivo. Isso gerou descompassos e disparidades salariais entre diferentes regi?es e setores sociais.
Para corrigir essas disparidades, o governo chinês lan?ará m?o de estratégias como investir na qualidade do crescimento e do emprego, das oportunidades de investimento e na seguran?a social e na redu??o de impostos e pre?os da habita??o.
No que diz respeito ao sistema de consumo, o novo modelo econ?mico chinês, diante das transforma??es do consumo e dos impactos da pandemia de Covid, vai aumentar os gastos com servi?os de lazer como turismo, artes e esportes, acompanhados pela ascens?o do e-commerce. No ambito governamental, vai investir em compras, investimentos e servi?os públicos, novas infraestruturas (para a economia digital), seguran?a social, mercado imobiliário e regula??o do mercado.
A aula foi ministrada por Xu Sihai, professor associado da Universidade de Estudos Estrangeiros de Beijing. Ele ministra diversos cursos como Rela??es econ?micas entre a China e a América Latina e tradu??o e interpreta??o sino-espanhol em assuntos econ?micos e comerciais. Entre as áreas de interesse acadêmico, destaque para a coopera??o econ?mica e comercial entre a China e os países latino-americanos e a imagem da China na mídia de língua espanhola.
Fonte: Revista Fórum