Por Zhang Rong

O 20o Congresso Nacional do Partido Comunista da China está decorrendo em Beijing. O evento político da China tem atraído a aten??o do mundo inteiro. A brasileira Karin Costa Vazquez, pesquisadora sênior do think-tank Center for China and Globalization (China) e professora na O.P. Jindal Global University (índia), tem acompanhado os desenvolvimentos do congresso. Recentemente, concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário do Povo Online, em que aborda o papel do Partido Comunista da China como "grande promotor da vis?o de desenvolvimento chinês".

Pergunta: Como analisa o desenvolvimento da China nas últimas décadas, especialmente nos últimos 10 anos?

Resposta: Sob a lideran?a de Xi Jinping, o Partido Comunista da China e o povo chinês erradicaram a pobreza extrema e est?o em vias de criar uma sociedade moderadamente próspera até 2035, quando a diferen?a entre ricos e pobres, zonas urbanas e rurais deverá ser significativamente reduzida. A lideran?a de Xi Jinping também será fundamental para que a China consiga fazer a transi??o para uma economia intensiva em tecnologia e de baixa emiss?o de carbono, promover políticas razoáveis para o enfrentamento da Covid-19, e trabalhar com todos os países para a constru??o de um futuro comum mais próspero, pacífico, inclusivo e sustentável.

O desenvolvimento chinês e a lideran?a que a China exerce no mundo s?o experiências sobre as quais nós, brasileiros, devemos refletir. O Brasil e a China trabalham para superar desafios de desenvolvimento semelhantes e podem aprender um com o outro - com abertura e respeito. Enquanto nossos países se preparam para o futuro, a nossa parceria deve contribuir n?o só para a prosperidade e o bem-estar dos nossos povos, mas também para a sustentabilidade do nosso planeta.

Pergunta: Que papel você acha que o PCCh desempenha no desenvolvimento da China?

Resposta: Uma das maiores li??es que eu tive nesses quase cinco anos vivendo na China é a vis?o de desenvolvimento e capacidade de realiza??o do povo chinês. O Partido Comunista da China, a meu ver, é o promotor dessa vis?o de desenvolvimento e elo para a sua realiza??o nos diferentes níveis da estrutura política e social do país.

Pergunta: Nos últimos dez anos, a propor??o da economia chinesa aumentou de 11,4% para mais de 18% da economia global. O contributo chinês para o crescimento econ?mico global atingiu cerca de 30% a cada ano. Como analisa a evolu??o destas cifras? Partindo da coopera??o exercida entre os países do BRICS, que aspetos destacaria do contributo da China para a recupera??o e desenvolvimento da economia mundial?

Resposta: é inegável o peso da economia chinesa no mundo e a sua correla??o com o crescimento global. No caso do Brasil, a acelera??o da economia chinesa levou ao aumento da demanda por commodities e contribuiu significativamente para o crescimento da nossa economia nos últimos cinco anos. As importa??es da China também evitaram uma desacelera??o ainda maior da nossa economia no auge da pandemia em 2020. Em 2021, a China transferiu tecnologia para a produ??o de vacinas Covid-19, ajudando a avan?ar os esfor?os de vacina??o no Brasil.

Existe espa?o para investimentos chineses em tecnologia e infraestrutura associadas a atividades de maior competitividade e complexidade no Brasil. O investimento público em desenvolvimento científico-tecnológico no Brasil tem se mantido nos menores patamares da história do país.

Outro aspecto cada vez mais importante nas decis?es de investimento da China, e que pode beneficiar o Brasil, é a sustentabilidade. Tecnologia, inova??o e sustentabilidade est?o no cora??o do 14o Plano Quinquenal chinês e s?o temas centrais para o futuro da economia brasileira e do mundo. Uma rela??o de ganha-ganha necessariamente dependerá de uma agenda de coopera??o robusta nessas três frentes.

Pergunta: Quase 100 milh?es de habitantes em regi?es carenciadas foram retiradas da pobreza na China, permitindo ao país atingir, 10 anos antes do previsto, as metas de redu??o da pobreza contempladas na Agenda 2030 das Na??es Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Como avalia o desempenho da China na erradica??o da pobreza?

Resposta: A China tem muitas experiências de desenvolvimento para compartilhar. O país já cumpriu o Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 1 (erradica??o da pobreza) e 4 (educa??o de qualidade) da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável das Na??es Unidas e está a caminho de cumprir outros três dos 17 objetivos: ODS 6 água e saneamento; ODS 9 indústria, inova??o e infraestrutura; e ODS12 consumo e produ??o sustentáveis.

Mais importante do que se tornar “referência” ou “exportar” experiências de sucesso na China, ao meu ver, é entender que n?o existe uma única fórmula aplicável a todos os países e que as solu??es para desafios de desenvolvimento devem ser construídas em conjunto, dentro de uma rela??o de horizontalidade e ganhos mútuos. Nesse sentido, essas experiências precisam atender prioridades de desenvolvimento locais e serem adaptadas para contextos político-econ?mico-institucionais, muitas vezes, distintos do chinês.

Essa, ao meu ver, deve ser a t?nica da Iniciativa Global para o Desenvolvimento (GDI, na sigla em inglês), lan?ada pelo Presidente Xi durante a 76.a sess?o da Assembleia Geral da ONU, em 2021, para acelerar e dar escala à implementa??o da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Até agora, mais de 100 países manifestaram apoio à iniciativa e mais de 60 se juntaram ao Grupo de Amigos do GDI, criado pela China na ONU. Financiamento externo integrado com or?amentos nacionais, transferência e desenvolvimento conjunto de tecnologia, e fortalecimento de capacidades s?o outros aspectos que, ao meu ver, também devem ser enfatizados pelo GDI.

Pergunta: Os líderes chineses afirmam recorrentemente que "águas límpidas e montanhas exuberantes s?o bens inestimáveis". Qual o balan?o que faz sobre o progresso da China em matéria de prote??o ambiental e sustentabilidade nos últimos anos?

Resposta: O modelo de desenvolvimento adotado na China nas últimas décadas também teve um custo alto para o meio ambiente. A resposta do governo chinês foi o lan?amento da ideia de civiliza??o ecológica e a inclus?o da ideia que pessoas e planeta devem conviver em harmonia no conjunto de políticas que orientam as a??es do país no plano doméstico e internacional.

Foi nesse contexto que, em 2020, Xi Jinping declarou o compromisso da China em tentar neutralizar as emiss?es de carbono até 2060. Esse compromisso come?ou a entrar em a??o no ano seguinte, quando a China investiu US$ 266 mil milh?es em medidas para a transi??o energética, como o lan?amento do maior mercado de carbono do mundo e o fim do financiamento de projetos de carv?o no exterior. O governo chinês também tem desenvolvido um marco jurídico-normativo-institucional para a expans?o do uso de energias renováveis e o alinhamento do financiamento externo chinês, inclusive no ambito da Iniciativa do Cintur?o e da Rota, com parametros de sustentabilidade.

Ainda existe um longo caminho a percorrer, Apesar disso, a esperada mudan?a da matriz energética chinesa deverá impactar a transi??o energética global e os fluxos de comércio e investimentos nas próximas décadas. Países como o Brasil devem estar atentos a essas mudan?as e seu impacto econ?mico, e identificar elementos que possam contribuir para um reposicionamento efetivo.

Pergunta: A pandemia continua ativa, a situa??o de seguran?a internacional permanece instável e a recupera??o econ?mica global é ainda tímida. Perante todas estas incertezas a nível internacional, de que forma pode a China contribuir para a estabiliza??o do cenário global?

Resposta: A China tem a vis?o de desenvolvimento e os meios para realizá-la. Em tempos de grande incerteza geopolítica, é importante ter humildade e investir em mecanismos de constru??o de confian?a mútua e no diálogo para o desenvolvimento conjunto de narrativas e a??es para o fortalecimento da governan?a global.?