Por Alessandra S. Brites
As obras de literatura chinesa publicadas no Brasil
Por ocasi?o do Dia Internacional da Língua Chinesa, que a ONU cunhou como 20 de abril, a Xinhua buscou saber um pouco mais sobre a presen?a da literatura chinesa no Brasil e quais as perspectivas desse mercado. Entrevistamos tradutores brasileiros e chineses que fazem tradu??o direta chinês-português e ouvimos editoras como a paulistana Esta??o Liberdade, que já lan?ou obras chinesas por aqui.
No conjunto, os profissionais concluem que muito ainda precisa ser realizado no setor, mas que há grandes possibilidades para a troca de títulos literários entre China e Brasil e que a literatura, sem dúvida nenhuma, é o meio mais indicado de conhecer a história e a cultura de ambos os países de forma mais profunda e real, t?o necessária para uma aproxima??o entre os dois povos.
Conforme o professor de mandarim e tradutor chinês-português, Rud Eric Paix?o, a literatura tem em comum o fato de ser um espelho da cultura em que ela é produzida. "Toda cultura reflete vivências das pessoas, e essas vivências elas pertencem a um momento histórico específico, a uma cultura específica e a uma situa??o específica. Por isso, mesmo que nós pertencemos a países t?o diferentes, com histórias t?o distintas, nós conseguimos ler as obras antigas e atuais de ambos os países e sentir uma identifica??o, pois s?o experiências essencialmente humanas."
Para o professor de chinês, tradutor da obra Ervas Daninhas, de Lu Xun, publicada no Brasil pela editora Aboio, construir uma rela??o mais próxima do brasileiro com a literatura chinesa tornará possível ver a China para além da superficialidade. "Uma grande parte da popula??o brasileira hoje n?o tem no??o do que é a China, ou do que foi a China no século 20. Eu conheci pessoas extremamente interessadas na capacidade que o Lu Xun teve de escrever sobre os ataques à cidade de Pequim, a invas?o dos japoneses na China, o medo que ele tinha de morrer, o medo que ele tinha de estar ficando velho e ir para a guerra. Nós apenas sabemos que a China teve conflitos no século 20 da perspectiva de um professor, ou de um historiador, que normalmente n?o v?o enfocar a quest?o puramente humana como o medo de um bombardeio, por exemplo", salientou.
Outra quest?o preocupante para ambos os especialistas é a falta de tradutores que trabalhem com tradu??es diretas do chinês, resultando em uma dependência do mercado literário brasileiro para tradu??es indiretas, geralmente feitas a partir do inglês ou do francês. "Muita coisa se perde na tradu??o indireta, muito mais do que na tradu??o direta, que já precisa fazer adapta??es em vários casos. As tradu??es indiretas do inglês ou do francês acabam trazendo ao público brasileiro a forma de entender e ver a obra e a cultura chinesa desses países", explicou Rud Paix?o.
Segundo Calebe Guerra, a vis?o eurocentrista de ver a China n?o é um rumo que o mercado brasileiro deva seguir. "Nós podemos usar os livros traduzidos pelos europeus, ou o que outras na??es já escreveram sobre China, mas sempre tentando criar uma ideia independente sobre o país, uma ideia nossa. Muitas vezes, boa parte do mundo editorial só aceita autores chineses já testados no Ocidente. Porém, o sucesso da tradu??o de uma obra pode ser um sucesso instantaneo, ou n?o. De uma forma, ou de outra, o editor precisa ter o desejo e a curiosidade pelo novo", disse.
De acordo com o diretor da editora Esta??o Liberdade, Angel Bojadsen, há grande curiosidade do público brasileiro pelas obras chinesas. "No entanto, há certa confus?o no mercado por conta de vários autores publicados aqui serem de origem chinesa, mas vivendo fora da China há tempos. Nesse sentido é difícil determiná-los como sendo literatura chinesa. Alguns escrevem em inglês faz tempo. De nossa parte, sempre em tradu??es do mandarim, tivemos muito boa recep??o. Há grande curiosidade pelo que se escreve nesse país imenso, e as temáticas s?o bem diversas das nossas", explicou.
Sobre a falta de tradutores profissionais para chinês-português, a professora pesquisadora da língua e cultura chinesas do Instituto Confúcio na Unesp Verena Veludo, tradutora de obras infanto-juvenis como A Menina que Amava Plantas, lan?ada pela editora Cai Cai, é tácita: "A primeira coisa é formar os tradutores. O Instituto Confúcio, onde sou professora há seis anos, tem esse projeto de realmente formar profissionais que v?o traduzir essas obras diretamente da língua chinesa, mas muito trabalho, muito estudo precisa ainda ser feito, e tudo depende também das pessoas quererem percorrer este caminho. Mas principalmente precisamos de mais a??es de fomento para a tradu??o de obras por parte dos próprios governos chinês e brasileiro. Seria bom que eles pudessem incentivar e dar mais subsídios para que mais obras possam ser traduzidas diretamente do chinês para o português e o contrário também", enfatizou. Conforme ela, a China já tem 30 universidades que oferecem gradua??o de português há muito tempo. "Porém é importante trabalhar com os tradutores locais, até porque existe o português de Portugal e de outros países, mas o português do Brasil é muito diferente", explicou.
A professora e tradutora Peggy Yu, com mestrado na Unicamp, segue a mesma linha de pensamento. "é preciso incentivar o estudo da língua chinesa no Brasil e a cria??o de cursos da tradu??o chinês-português para formar tradutores, preparadores e revisores capacitados para fazer a tradu??o editorial. Acho que seria uma iniciativa interessante ter esses programas para inserir melhor esses profissionais no mercado editorial brasileiro, ampliando o número de obras chinesas traduzidas". Outra iniciativa é o estabelecimento de parceria entre editoras chinesas e brasileiras, públicas ou privadas, para facilitar o acesso a obras originais a serem publicadas no Brasil", salientou. Rud Erik Paix?o acrescenta a essa preocupa??o a falta de cursos melhores nos níveis intermediário e avan?ado no estudo do chinês no Brasil. "Quando o estudante sai do nível básico, ele n?o encontra bons cursos em nível intermediário e avan?ado", relatou.
Para o diretor chinês do Instituto Confúcio na Unicamp Gao Qinxiang, quanto mais profundo for o intercambio e a coopera??o entre China e Brasil, principalmente o intercambio de pessoas entre os dois países, naturalmente aumentará o número de obras traduzidas no mercado brasileiro. "O aumento do intercambio direto entre os círculos literários, acadêmicos e editoriais dos dois países desempenhará um papel muito bom. Grande parte das excelentes obras clássicas chinesas em português, que podem ser lidas no Brasil, s?o resultado da coopera??o entre acadêmicos, universitários e editoras de ambos os lados."
Conforme o mestre e doutorando em Estudos da Tradu??o Cesar Matiusso, o Brasil precisa entrar mais em contato com o que tem sido produzido na China. "Os editores brasileiros e as pessoas que definem quais obras ter?o seus direitos comprados e que ser?o traduzidas e lan?adas no mercado brasileiro precisam criar um contato direto e independente. Eu acredito que isso pode ser feito por meio de feiras literárias, eventos culturais e iniciativas que procurem reunir os escritores das novas gera??es dos dois países e os demais atores do mercado editorial", disse.
Por fim, de forma geral, os entrevistados acreditam que apesar da distancia geográfica e das diferen?as consideráveis entre a história e a cultura da China e do Brasil, é possível encontrar semelhan?as entre ambos os países. "Acho que uma das semelhan?as que posso dizer é a busca pela identidade. O que é ser um chinês no contexto clássico milenar e na atual realidade? E o que é ser um brasileiro no contexto de coloniza??o e no mundo atual? Acho que ambas as literaturas discutem bastante a ideia da identidade do povo", argumentou a professora e tradutora Peggy Yu, nascida em Taiwan. Conforme Rud Eric Paix?o: "O Brasil é um país forjado do resultado de uma invas?o e a China contemporanea é o resultado de uma resistência à invas?o, ent?o entre estas duas histórias há pontos em comum também".
De acordo com Calebe Guerra, o presente momento histórico e o passado mais recente de ambos os países confluem para auxiliar na aproxima??o de China e Brasil. "Na literatura, eu acho que estamos em um período histórico que o destino reservou para que algo fosse feito. No decorrer do século 20 inteiro e no come?o do século 21, nós estamos tentando entender o que aconteceu conosco, estamos tentando resolver os problemas que foram criados pela política internacional do século 19 até os dias de hoje", explicou.
Segundo ele, a literatura chinesa desse período vem ao encontro de um mundo que n?o é completamente desconhecido, ou inacessível para o brasileiro e pode abrir portas para obras chinesas de outros períodos, assim como gêneros literários como o infanto-juvenil e o da fic??o científica. "Há uma ponte que eu posso me identificar com as quest?es que a China está passando e que, de alguma forma, nós também vivemos. No Brasil, posso falar que nós estamos tentando nos resolver como país, como na??o, e a literatura chinesa pode ser uma grande fonte de inspira??o nesse sentido, para conseguirmos ver o mundo de uma forma mais independente através do ponto de vista de outro povo que também está tentando ver o mundo desta forma", concluiu.