José Medeiros da Silva*
Este ano de 2024 celebram-se os 50 anos do estabelecimento das rela??es diplomáticas entre a República Popular da China e a República Federativa do Brasil. Momentos comemorativos como esses s?o oportunos para relembrarmos o ponto de partida, refletirmos sobre benefícios mútuos e, diante dos desafios do tempo presente, procurarmos no vasto horizonte a dire??o mais propícia para uma continuidade segura dessa jornada.
A divis?o do mundo em dois grandes blocos de poder era para as grandes na??es que almejavam um caminho de desenvolvimento próprio uma realidade geopolítica asfixiante. Ou seja, a necessidade de uma ordem internacional multipolar apresentava-se já naquele momento em que o Brasil e a China decidiram estabelecer suas rela??es diplomáticas como uma quest?o fulcral de convergência estratégica.
Em 1971, depois que a República Popular da China recuperou seu lugar legítimo na ONU e assumiu sua vaga como membro permanente no Conselho de Seguran?a, a mudan?a do cenário geopolítico internacional come?ou a se tornar mais papável. Do lado brasileiro, um dos grandes intérpretes desse potencial de mudan?a na conjuntura internacional foi Antonio Francisco Azeredo da Silveira, ministro das Rela??es Exteriores no governo de Ernesto Geisel, aliás, um dos principais artífices do estabelecimento das rela??es diplomática com a China. Para Azeredo, havia uma convergência de interesses estratégicos mais profundos, além de necessidade do Brasil construir seu próprio conhecimento próprio sobre a China.
Do lado chinês essa convergência de interesses estratégicos também estava muito clara. N?o se tratava de um relacionamento qualquer, mas de uma aproxima??o estratégica entre os dois importantes países em via de desenvolvimento.
Em essência, tanto do lado brasileiro quanto do lado chinês estavam convencidos de que o diálogo, a coopera??o e um trabalho conjunto entre esses dois importantes países em via de desenvolvimento era um imperativo estratégico para se romper com a bipolaridade e para que ambos pudessem avan?ar de forma soberana na constru??o de seus próprios projetos de desenvolvimento.
A título de ilustra??o, essa trajetória de 50 anos poderia ser dividida em cinco etapas. Aliás, sobre as quatro primeiras etapas, tomo por referência a divis?o feita por Chen Duqing, ex-embaixador da China no Brasil.
A primeira dessas etapas, entre 1974 e 1985, foi a de conhecimento mútuo. Para o embaixador Chen, o encontro entre Deng Xiaoping e o presidente Jo?o Batista Figueiredo impulsionou o desenvolvimento das rela??es. Sobre essa viagem do presidente Figueiredo à China em maio de 1984, ele fez uma interessante observa??o: “Em certo sentido, chineses e brasileiros visam ao mesmo objetivo: alcan?ar, pelo esfor?o próprio, e com o suplementar apoio da comunidade das na??es, novos e mais aperfei?oados patamares de moderniza??o econ?mica e desenvolvimento social”.
A segunda etapa, de 1985 a 1993, foi a de consolida??o das rela??es. Nesse período, ampliou-se as trocas comerciais, intensificou-se a intera??o entre o setor governamental e o encontro entre autoridades do alto escal?o político passou a ser mais frequente. Destacam-se nesse período a visita do presidente José Sarney à China em 1988, ocasi?o em que foi assinado o Acordo de Coopera??o para Pesquisa e Produ??o de Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS). Em 1993, as rela??es foram elevadas para o nível de parceria estratégica.
A terceira etapa, de estabiliza??o das rela??es, situa-se entre 1993 e 2003. Foi um período onde os encontros entre os altos dirigentes do Estado brasileiro e do Estado chinês se tornaram mais frequentes.
A quarta etapa é caracterizada por uma “rápida expans?o dos la?os bilaterais” vai de 2003 a 2012. Nessa fase foram criados importantes mecanismos institucionais para a fomenta??o do diálogo estratégico, como por exemplo, em 2004, a cria??o da Comiss?o Sino-Brasileira de Alto Nível de Concerta??o e Coopera??o e, em 2012, a cria??o do Diálogo Estratégico Global. Também foi nessa etapa, em 2009, que a China passou a ser o principal parceiro comercial do Brasil.
A quinta etapa tem seu início em 2012, depois da eleva??o das rela??es para o nível de parceria estratégica global, e está em pleno curso. Política e economicamente, uma das principais características dessa fase é a sua proje??o para além das rela??es bilaterais.
Como se pode observar, nesse meio século de estabelecimento das rela??es formais entre o Brasil e a China muitos foram os avan?os e os benefícios, tanto no campo político quanto no econ?mico.
Se nos anos 70 o ordenamento internacional bipolar era um fator geopolítico asfixiante para países como o Brasil e a China, na atualidade, a supera??o da assimetria de poder continua na ordem do dia. China e Brasil s?o dois importantes protagonistas na acelera??o desse processo de multipolariza??o mundial e quanto melhor essa rela??o fluir, maiores ser?o as conquistas nessa dire??o.
Apesar de estarmos diante de um ambiente internacional cada vez mais desafiador, é importante percebermos que também vivemos um momento propício para que essas rela??es se fortale?am ainda mais. No Brasil, além do presidente Lula, políticos de distintas matizes ideológicas e representa??es sociais, diferentes segmentos empresariais e amplos setores da sociedade brasileira est?o cada vez mais consciente sobre a importancia desse relacionamento. E na China, a vis?o de mundo do presidente Xi Jinping condensada no seu sistema de Pensamento sobre a Diplomacia, amplia ainda mais as perspectivas dessas rela??es.
*O autor é professor e diretor do Centro de Estudos de Brasil da Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang