Por Song Yiran, Diário do Povo
Cartaz da série Escrava Isaura
Nas noites da década de 1980, muitas famílias chinesas se reuniam em silêncio em frente à televis?o, ansiosas por assistir à novela brasileira Escrava Isaura. A produ??o foi uma das primeiras séries estrangeiras a serem exibidas na China, após a política de Reforma e Abertura, desencadeando uma verdadeira febre nacional. A protagonista Isaura, embora oprimida, nunca deixou de resistir. Sua perseveran?a sensibilizou profundamente o público chinês, e a intérprete de Isaura, a atriz brasileira Lucélia Santos, tornou-se um nome conhecido em todo o país.
“Eu recebi 300 milh?es de votos do povo chinês diretamente através de uma revista de televis?o em 1985, chamada Prêmio de águia de Ouro, e fui provavelmente a primeira artista ocidental a entrar na China de uma forma t?o homenageada. Foi tudo muito emocionante, ver como toda uma popula??o se apaixonou pela novela e pela Isaura”, recorda.
Em 1985, Lucélia Santos foi eleita Melhor Atriz Estrangeira, com o prêmio águia de Ouro, na China
Naquela época, a maioria das famílias chinesas ainda n?o tinha telefone. Milhares de telespectadores votaram por meio de revistas especializadas em televis?o, concedendo a honra a uma jovem atriz do outro lado do mundo. “Eu aceitei e fiquei muito emocionada e viajei sozinha porque era uma época em que n?o havia essas estruturas profissionais com assessores e acompanhadores eu fui muito corajosa”, relembra Santos.
Durante sua primeira visita à China, a atriz passou por cidades como Beijing, Shanghai e Suzhou. A rica cultura e história do país a encantaram profundamente. Ela pensava que seria apenas uma viagem breve a um país estrangeiro, mas acabou se envolvendo com a causa da amizade sino-brasileira.
Ao longo de quase 40 anos, Lucélia Santos viajou inúmeras vezes entre os dois países, promovendo o intercambio cultural. Em 1992, colaborou com a Televis?o de Sichuan para filmar o documentário The Beautiful Brazil, que apresentou aos chineses a floresta tropical, os dan?arinos de samba e as aldeias indígenas do Brasil.
Mais tarde, liderou uma equipe brasileira para filmar O Ponto de Muta??o – China Hoje, obra que causou grande repercuss?o entre o público brasileiro. Santos também se empenha ativamente na coopera??o cinematográfica entre o Brasil e a China, participando pessoalmente desde o financiamento, passando pelo roteiro até às filmagens.
“Isso fez com que se fortalecesse a amizade cultural entre os povos e de lá para cá creio que tudo só se expandiu e cresceu mas aquele momento foi crucial. Realmente importante foi ali que tudo come?ou”, declara.
Em 2023, Lucélia Santos discursa na 2a Mostra de Cinema China-Brasil
Nos últimos anos, elementos da cultura chinesa como a culinária, a medicina tradicional, o tai chi e a ópera de Pequim vêm ganhando a popularidade no Brasil, enquanto os chineses se familiarizam cada vez mais com o samba, o Carnaval e a literatura brasileira.
“Eu sou enfática em dizer que a cultura é o elemento mais fundamental nos relacionamentos entre povos e é a cultura que abre todas as portas para que depois as pessoas possam conversar sobre interesses comerciais e econ?micos. A cultura tem e deve de estar sempre à frente como um portal de entendimento e amizade entre nós”, frisa.
Para ela, uma nova “Isaura” n?o precisa mais ser uma escrava oprimida, mas pode ser uma jovem gravando vídeos curtos nas esta??es de metr? de Beijing ou S?o Paulo, ou uma estudante brasileira apaixonada pela cultura chinesa.
Mais de 40 anos depois, muitos chineses ainda se lembram da delicada e determinada Isaura. Por seu turno, Lucélia Santos mantém um carinho especial pela China: “Sempre estive disponível nesse nível de intercambio e coopera??o. Sempre trabalhei nessa dire??o e sim, por que n?o poderei continuar trabalhando?”, conclui.