A fus?o de estilos dramatúrgicos
Samuel Gomes e Nie Quan, conselheiro político da Embaixada da China em Portugal
Quando inquirimos o Samuel relativamente à experiência de representar num idioma estrangeiro, para um júri estrangeiro, este respondeu de forma curiosa: “Imagina o que é um chinês entrar para um palco e come?ar a recitar um canto dos Lusíadas de memória, perante uma plateia de portugueses. N?o será muito diferente para um chinês. Segundo a minha tutora, n?o existem muitos chineses que sejam capazes de declamar este poema de memória. Como ator, quando representas em outras línguas, principalmente quando se trata de uma língua extremamente exótica, é… incrível. Sentes-te… único. Nesse sentido é delicioso. Para conquistar uma plateia, enquanto ator, n?o podes apenas expelir sons. Tens de os sentir para dares veracidade a tudo que fazes em palco. Foi a minha primeira vez a representar um poema deste calibre para uma plateia chinesa e, portanto, estava ansioso. Nunca tinha feito algo t?o ambicioso, e sabia que era a cultura nativa do meu público que estava em jogo. Ainda por cima tratando-se de uma referência como o Li Bai.”
Esta novidade, de facto, como o próprio veio a descobrir por coincidência, n?o se cingiu unicamente ao contexto português. Como nos explica, a tradi??o chinesa de declama??o é bastante inflexível, n?o compreendendo, por norma, o recurso ao movimento e a uma expressividade corporal excessiva: “Eu na altura n?o me apercebi de que estaria a fazer uma inova??o. Para mim, como ator, declamar um poema no qual se acrescenta o movimento é algo normal. Pelos vistos, à face dos chineses, n?o é muito comum. Eles têm o canon de declamar poesia de forma estática. O facto do sujeito poético no Qiang Jin Jiu estar embriagado, permitiu-me fazer vários movimentos enérgicos que chamaram a aten??o do público. Acho que consegui aí causar uma boa impress?o, principalmente por dar uma nova abordagem ao poema”.
Já no teatro as regras s?o outras… “A imediata diferen?a que encontramos tem a ver com o facto de o teatro ocidental ter uma raiz de teatro falado e o teatro oriental ter uma tradi??o de teatro de corpo. é por isso que todas as formas tradicionais de teatro que encontramos, quer no Jap?o, quer na China, enfatizam a expressividade corporal. Desde a ópera de Pequim, ao estilo ‘Bianlian’ de Sichuan, ao ‘Kunqu’ (ópera do sul da China)... O teatro na China é predominantemente de expressividade corporal. Só mais tarde, no séc. XIX, é que surge o teatro de estilo ocidental na China. Vários chineses viajaram para a Europa, para aprenderem técnicas de teatro ocidental, e depois voltaram à China para criarem as suas pe?as. O conceito de teatro, em português, tem uma conota??o diferente do equivalente em chinês. Até há bem pouco tempo achava que ‘xiju’ era uma palavra abrangente. N?o é. Xiju relaciona-se com o canto, com o teatro cantado. ‘Wutaiju’ é a palavra que usam para teatro no sentido geral, e ‘huaju’ é a que os chineses usam para teatro dialogado. Foi este mesmo estilo teatro que despertou a minha curiosidade, o huaju.”
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