Daniel Pimentel e Lucas Wosgrau Padilha
A Covid-19 n?o é a peste negra. Ainda que o discurso obscurantista se fa?a grande em países como o Brasil e os Estados Unidos — causando desconfian?as no atual estado da arte das ciências — , a realidade é que o mundo n?o enfrenta uma pandemia invencível e incompreensível. A Covid-19 é um desafio científico, n?o um desfio à ciência: gra?as à coopera??o científica internacional, aos dados chineses, e laboratórios em todo o mundo, s?o conhecidos a origem do vírus e seus meios de propaga??o. Muitas vacinas est?o em desenvolvimento simultaneamente, de Oxford a Beijing. Pode o Brasil se aproximar da China integrando-se às cadeias globais de PFesquisa e Desenvolvimento (P&D)? Quais os papéis da ciência na diplomacia e da diplomacia na ciência?
Já em 2017, a Organiza??o para Coopera??o e Desenvolvimento Econ?mico (OCDE) estimou que a China representava 23% do total dos investimentos mundiais em P&D. No ano seguinte, seus gastos continuaram subindo para representar 2,19% do produto interno bruto. A China possui 25% da for?a de trabalho de pesquisa e desenvolvimento do mundo e em 2020 assumiu o primeiro lugar entre os países que registram os pedidos de patentes.
Além dos grandes números, a China está integrada às mais produtivas cadeias científicas do mundo.
Em 2018, 662.100 estudantes chineses foram para o exterior, enquanto 492.185 estudantes internacionais de 196 países vieram para a China, de acordo com o Ministério da Educa??o.
Várias universidades ocidentais criaram centros de pesquisa e desenvolvimento e universidades na China. Um exemplo é a abertura do Centro de Inova??o em Ciência e Tecnologia da Universidade de Cambridge-Nanjing em 2018, que foi a primeira institui??o de pesquisa cooperativa a ser estabelecida fora do Reino Unido por Cambridge. Outras universidades que estabeleceram instala??es de P&D na China s?o a Universidade de Stanford – que construiu seu centro na Universidade de Pequim - o Imperial College de Londres, a Universidade de Oxford e a Universidade Nacional de Cingapura. Em Shenzhen, onde a ciência encontra a indústria, duas das melhores universidades do mundo estabeleceram o Tsinghua-Berkeley Shenzhen Institute para pesquisas avan?adas em ciências do meio ambiente e novas tecnologias energéticas, tecnologia da informa??o e ciência de dados e medicina de precis?o.
No Brasil, de acordo com o mais recente relatório Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inova??o, de 2018, foram investidos somente 1,26% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no ano de 2017. Mesmo para os padr?es nacionais, o dispêndio é baixo: em 2015, por exemplo, investiu-se 1,34%. O futuro n?o é animador: a Capes, vinculada ao Ministério da Educa??o (MEC), já anunciou que 11 800 bolsas de pesquisa n?o ser?o renovadas, uma redu??o de 12%. E considerando que o or?amento da institui??o cairá de R$4,25 bilh?es para R$ 2,2 bilh?es em 2020, novos congelamentos n?o s?o descartados. Segundo a Unesco, o Brasil possui hoje cerca de 700 pesquisadores por milh?o de habitantes, na China s?o 1.100 pesquisadores por milh?o de habitantes.
A ciência faz parte das rela??es internacionais e dá esperan?as de que a humanidade conseguirá superar problemas comuns à todos, como a Covid-19. A ciência, a tecnologia e a inova??o operam em três dimens?es da política externa: informam os objetivos da política externa (Science in Diplomacy), facilitam a coopera??o científica internacional (Diplomacy for Science) e, por meio da coopera??o, melhoram as rela??es entre os países (Science for Diplomacy) [fonte].
A coopera??o científica internacional, inclusive entre estado-unidenses e chineses, deveria levar à melhoria das rela??es entre os países (Science for Diplomacy) munindo-os de informa??es para estratégias cientificamente baseadas como o isolamento social e o uso de máscaras - medidas adotadas pela China desde janeiro. Infelizmente nem todos os governantes s?o sensíveis à ciência e fecham seus olhos para a realidade, para as universidades e para os centros de pesquisas de seus países.
Foi a ciência um dos pilares da aproxima??o sino-brasileira ao longo das últimas três décadas. Desde 1988 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (Chinese Academy of Space Technology - CAST), cooperam para a produ??o de satélites de observa??o da terra. Os satélites CBERS se destinam a monitora??o do clima, projetos de sistematiza??o e uso da terra, gerenciamento de recursos hídricos, arrecada??o fiscal, imagens para licenciamento e monitoramento ambiental, por exemplo.
Uma agenda de diplomacia científica n?o passa somente pelo aumento dos gastos de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, mas pela integra??o da ciência brasileira às cadeias de pesquisa globais que n?o passam somente pela Europa e pelo mundo anglófono. O Brasil deve tomar consciência do fato de que a China é uma líder mundial em ciência e tecnologia e buscar caminhos para refor?ar a coopera??o científica bilateral.
No Brasil, os três níveis de intera??o entre ciência e diplomacia (Science in Diplomacy, Diplomacy for Science e Science for Diplomacy) devem ser priorizados na agenda de recupera??o econ?mica pós-Covid-19. A coopera??o científica com a China é um caminho para que o Brasil perceba que seu parceiro estratégico é mais que o “maior parceiro comercial desde 2008” e que n?o há supera??o da armadilha da renda média sem saltos tecnológicos e científicos. China e Brasil podem e devem cooperar na ciência e na diplomacia para oferecer ao mundo solu??es para desafios como a garantia da saúde pública, o combate ao aquecimento global e a seguran?a alimentar. O mundo pós-Covid-19 poderá encontrar na coopera??o científica um meio seguro para melhoria das rela??es internacionais fazendo-as trilhar o caminho da paz e prosperidade compartilhadas.
Daniel Pimentel é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestre em modelagem de sistemas complexos pela Universidade de S?o Paulo
Lucas Wosgrau Padilha é advogado, bacharel em Direito pela Escola de Direito de S?o Paulo da Funda??o Getúlio Vargas - FGV DIREITO SP – pós graduado em Direito Econ?mico, na mesma escola, e mestrando em Direito e Sociedade na Universidade de Pequim, onde é pesquisador-bolsista da Academia Yenching de estudos chineses.