Perante o contágio acelerado do novo coronavírus nos EUA, o foco de alguns políticos americanos e da imprensa n?o é salvar vidas, mas a culpabiliza??o alheia, o que é lamentável.
Há alguns dias, um documento de 57 páginas do Partido Republicano, exposto pela imprensa, enuncia tutoriais detalhados sobre como impor a responsabilidade da realidade do coronavírus à China. O mais importante a reter é o seguinte: quando inquiridos se “o surto é culpa de Trump”, os republicanos foram instruídos a, além de enfatizar que o presidente instituiu uma proibi??o de viagens provenientes da China, “n?o é necessário referir outros intervenientes, basta atacar diretamente a China”.
Tal escolha de palavras apenas demonstra que quando alguns políticos americanos se deparam com uma epidemia, n?o importa o que diz a ciência e as evidências, se o propósito passar por confundir e ludibriar a opini?o pública.
Na verdade, antes deste documento ter sido exposto, essa conduta já vinha sendo promovida por políticos como o secretário de Estado Mike Pompeo ou o senador Tom Cotton. Eles desde cedo demonstraram a vontade de politizar a origem do vírus, retratando o Instituto de Pesquisa de Vírus de Wuhan como um “risco de seguran?a”, e que o vírus poderia ter dali “escapado”. Tais alega??es nunca foram corroboradas por qualquer base científica. Enfrentando a dúvida pública quanto à fraqueza do governo americano na preven??o epidemiológica, passaram a afirmar que “a China se havia atrasado a informar a OMS da epidemia”.
A mentira tem perna curta. A Coreia do Sul e os EUA reportaram o primeiro caso de Covid-19 no mesmo dia, mas desde ent?o, a trajetória dos dois países foi muito diferente. Nos últimos dias, Richard Houghton, editor-chefe da revista The Lancet, juntamente com outros especialistas de saúde, tra?aram o desenvolvimento cronológico da epidemia, enfatizando que os EUA haviam obtido informa??o epidemiológica por parte da OMS, o que, uma vez mais, prova que as acusa??es de “atraso” s?o uma mentira.
No presente, os EUA s?o o país mais afetado do mundo, com mais de 1 milh?o de casos e cerca de 80,000 mortes. Alguns oficiais de saúde afirmam que a epidemia se trata de um “momento Pearl Harbor” ou “momento 11 de setembro” para os americanos de hoje. à medida que mais informa??es sobre a resposta do governo estadunidense aos caos nos primeiros estágios da epidemia circulam, e que o entendimento do público sobre a propaga??o do vírus é aprofundado, torna-se claro que alguns políticos ainda se enganam a si próprios, enganando os outros.
Ao longo dos últimos dias, esta crise histórica está inspirando mais questionamentos e reflex?es sobre a sociedade americana. O foco de todas as partes é o porquê, apesar da janela temporal de mais de 2 meses, que os EUA n?o est?o ainda preparados para o surto epidemiológico, e porque s?o os trabalhos de preven??o e controle t?o passivos.
A revista Science sublinhou que as medidas de resposta dos EUA foram “fragmentadas, caóticas”, e que as instru??es dadas pelos políticos enviaram “mensagens discordantes”. Arthur Kaplan, professor do Centro de Medicina Langon da Universidade de Nova Iorque, referiu que “a Casa Branca n?o levou as amea?as aos EUA com a seriedade adequada” e que “os conservadores que acreditam no mercado livre p?em a ideologia à frente da ciência”.
Em um período em que a pesquisa científica n?o atingiu ainda uma conclus?o, a solidariedade internacional e a coopera??o s?o as vacinas mais eficientes nas quais os países devem depender na resposta à epidemia. Os vírus n?o conhecem fronteiras, e ninguém está verdadeiramente a salvo até todos estarem a salvo. Face a esta crise global, qualquer pessoa que conteste o vírus é um impedimento ao esfor?o coletivo. O jogo de culpabiliza??o alheia n?o leva a lado nenhum - n?o se trata de uma vacina. Talvez seja apropriado dizer que este é um vírus político.