Gabriel Cassiano

Pela falta de um Projeto Nacional de Desenvolvimento, o Brasil sofre de cr?nicas quedas da participa??o da indústria no PIB. Esta perda afeta n?o somente a produtividade e a escalada tecnológica com a agrega??o de valor, mas também limita a oferta de empregos em melhores condi??es. O resultado é a persistência da taxa de desemprego elevada concomitantemente à explos?o do trabalho informal e o surgimento de milhares de desalentados. 

Uma parceria estratégica entre o Brasil e a China, resguardando um regime de preferências comerciais com garantias de transferência tecnológicas, pode ser a única possibilidade concreta de retomada e moderniza??o da economia brasileira no sentido da reindustrializa??o.

A pandemia do novo coronavírus revela as falhas estruturais do modelo econ?mico que marcou os últimos 40 anos no Brasil. Após o término do “Auxílio Emergencial”, os desafios do emprego, da seguridade e do desenvolvimento industrial ficar?o ainda mais explícitos: no momento em que significativa parcela da popula??o se deparar com a falta de oportunidades de trabalho, o fechamento de diversos pequenos e médios negócios (que hoje s?o responsáveis pelo emprego formal de quase 70% da m?o de obra brasileira) e o desmantelamento dos servi?os públicos após um rombo fiscal sem precedentes, o Brasil precisará, mais do que nunca, de um plano de desenvolvimento. E parcerias internacionais que compreendam as peculiaridades de um país em desenvolvimento.

Os Estados Unidos n?o oferecem possibilidades de apoio ao desenvolvimento brasileiro. Após a queda de 32% no segundo trimestre da economia norte-americana somados aos dados de 54 milh?es de desempregados, números que n?o se viam desde a Grande Depress?o, os EUA s?o mais um prenúncio do que pode ocorrer com o Brasil, que uma solu??o.

A Europa, como um todo, também sofre um debacle. Indicadores mostram que no segundo trimestre o bloco teve uma retra??o recorde desde o início da série histórica (1995), de 12% em seu PIB, puxada por Espanha (-18,5%), Portugal (-14,1%), Fran?a (-13,8%) e Itália (-12,4%). Com esse resultado, a Zona do euro está oficialmente em recess?o.

A China, gra?as à sua institucionalidade e história únicas, conteve a dissemina??o da Covid-19, consolidando-se como o polo industrial mundial exportando equipamentos essenciais para quase todos os países, desde o sudeste asiático ao G-20: por meio da produ??o, venda e doa??o de ventiladores pulmonares, EPIs e medicamentos, a China suportou a luta contra a Covid-19 ao redor do mundo a partir da compreens?o de que a humanidade compartilha um destino e quest?es globais exigem abordagens globais. Sem que isto signifique a imposi??o de uma agenda – como aconteceu durante o consenso de Washington – a China apontou caminhos incentivando mais países a se engajarem na solu??o da Covid-19. A coopera??o SINOVAC-Instituto Butant? para a produ??o da vacina é um exemplo desta atitude.

Apesar do efeito imprevisível que a epidemia causou em Wuhan, e depois ao redor da China, no início do ano, o país chegará a 2021 com um crescimento de até 4% do seu PIB em 2020. Mais que invejar este resultado, países que levem à sério o desenvolvimento devem aprender com a China como criar saídas próprias, soberanas, para a maior crise econ?mica em 100 anos.

Em um cenário externo absolutamente desfavorável para o crescimento brasileiro, a desvaloriza??o da moeda e a competitividade do agronegócio conseguiram encontrar uma saída. Em junho as exporta??es agropecuárias brasileiras quebraram recordes no auge da pandemia. Este resultado n?o seria possível sem a capacidade da China superar a pandemia e retomar suas compras e plano estratégico. No atual período, o País do Meio é responsável por cerca de 40% das exporta??es brasileiras.

No Brasil, as boas rela??es com a China podem evitar uma tragédia econ?mica e social ainda maior. Isto depende, no entanto, de mais criatividade e dedica??o por parte dos governos, empresas e sociedade civil. Estes agentes precisam compartilhar da vis?o de que é possível superar uma pauta exportadora majoritariamente agrária e de commodities rumo a um regime de coopera??o industrial em prol do desenvolvimento científico e humano. Cidades e governos locais podem avan?ar a agenda da coopera??o científica e sofistica??o produtiva entre Brasil e China. Isto n?o significa que um projeto nacional de desenvolvimento brasileiro seja dispensável, muito pelo contrário.

A história do desenvolvimento chinês ensina, por um lado, que províncias e municipalidades precisam ter f?lego e incentivo para experimenta??o. Por outro, que a lideran?a central é determinante na constru??o de institui??es e consensos que avancem o país como um todo, do litoral ao interior, da pauta exportadora ao incremento no consumo doméstico, da ciência e tecnologia à cultura.

Desde a coopera??o pelas vacinas – as mais desenvolvidas, seguras e baratas do mundo s?o chinesas – ao esfor?o de agregar mais valor à produ??o industrial brasileira, há muitos caminhos para a cria??o de uma agenda Brasil-China pelo desenvolvimento. Com a debacle de parceiros tradicionais – mas desinteressados e em profunda crise - como Estados Unidos e Europa, a China se destaca como a melhor parceira estratégica para o Brasil.

O autor é o estudante de economia na Pontifícia Universidade Católica de S?o Paulo (PUC-SP) e membro do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Funda??o Getúlio Vargas (FGV) em S?o Paulo.

As opini?es expostas neste artigo n?o refletem necessariamente a opini?o do Diário do Povo Online