A brasileira Karin Costa Vazquez, economista, pesquisadora na Universidade Fudan e conselheira sênior da ONU, atualmente radicada em Shanghai, concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário do Povo Online, onde abordou tópicos como a carta enviada pelo presidente chinês Xi Jinping aos representantes estrangeiros do Diálogo de Jovens Líderes Globais, organiza??o que visa promover os intercambios entre a China e o resto do mundo, a evolu??o das rela??es entre a China e o Brasil, e a relevancia da ásia no século XXI.
A carta endere?ada por Xi aos representantes estrangeiros do Diálogo de Jovens Líderes Globais, em resposta a uma correspondência enviada por esta organiza??o, foi, segundo Costa Vazquez: "bem-vinda por duas raz?es. Primeiro, ela revela a abertura de Xi para a juventude, chinesa e estrangeira, e também a capacidade de inspirar essa juventude. Segundo, a capacidade de ouvir e inspirar as pessoas é uma característica essencial para a lideran?a do século XXI".
Vazquez considera que essas qualidades formam parte da "essência da ideia de um futuro comum para a humanidade em que competi??o e coopera??o continuar?o a coexistir, da mesma maneira que coexistem hoje e sempre coexistiram. Mas ao invés de uma corrida em dire??o ao abismo, a competi??o, daqui pra frente, tem que levar a humanidade a uma corrida para o topo, rumo a resultados positivos e transformadores”.
“N?o podemos mais tolerar a desigualdade social, a depreda??o do meio ambiente, a pobreza no mundo. Uma competi??o construtiva deve ser capaz de suprir essas lacunas", avaliou ela.
Em meio à pandemia, a uni?o de esfor?os assume, novamente, "uma importancia redobrada". A China e o Brasil protagonizaram um exemplo dessa sintonia, unindo esfor?os no ambito da saúde e vacina??o. A Sinovac Biotech chegou a acordo com o Instituto Butantan para a transferência de tecnologia de produ??o da coronavac, permitindo que o Brasil acelerasse a produ??o doméstica de vacinas.
"Acredito que a colabora??o Brasil-China durante a pandemia constitui um bom exemplo para a nossa rela??o bilateral e para o mundo. Essa experiência demonstra que a transferência de tecnologia, mais do que nunca, deve ser incluída nos acordos de coopera??o", afirma.
O acordo firmado foi alcan?ado em um período áureo das rela??es entre a China e o país sul-americano, as quais têm sido gradualmente refor?adas desde o início do século.
"Lembro-me dos números em 2003, quando os fluxos comerciais entre os dois países [Brasil e China] eram de 6 bilh?es de dólares anuais. Este ano atingimos o recorde de 105 bilh?es de dólares, algo impressionante. Isso n?o só faz da China o primeiro parceiro comercial do Brasil, como deixa uma larga margem para o segundo, já para n?o falar do terceiro e do quarto [parceiros]", explica.
A pesquisadora ressalta, porém, que as exporta??es brasileiras est?o cada vez mais concentradas num grupo restrito de produtos, principalmente commodities, como a soja e o minério de ferro, que apresentam elevada volatilidade de pre?os.
"Temos de celebrar esta rela??o, mas atentos no futuro para encontrar formas de diversificar e acrescentar valor às nossas exporta??es para a China", ressalvou.
A digitaliza??o da economia e a transi??o energética, agora acontecendo na China, segundo Vazquez, proporcionar?o novas oportunidades que o Brasil poderá agarrar.
O compromisso assumido pela China na Assembleia Geral da ONU no ano passado de reduzir drasticamente as emiss?es de carbono deixará a sua marca no mundo. A progressiva queda da dependência de combustíveis fósseis da China deverá ter impacto nas exporta??es brasileiras destes recursos para a China no longo prazo. Todavia, isso também irá gerar novas oportunidades, argumenta a entrevistada.
"Por exemplo, o Brasil, tendo as maiores florestas tropicais do mundo, tem um potencial imenso para gerar créditos de carbono, que podem ser transacionados no mercado internacional para ajudar a China a reduzir suas emiss?es. Novas oportunidades ir?o surgir em novos setores como, por exemplo, veículos elétricos, em que o custo das tecnologias deverá cair ao longo do tempo, passando a ser mais acessível aos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil".
Karin aludiu ao papel desempenhado pelo Novo Banco de Desenvolvimento, cuja cria??o em 2015 visou "oferecer uma alternativa para as economias emergentes em todo o mundo, lideradas pelos BRICS, que financiaram projetos de desenvolvimento sustentável, de forma prática e tangível".
Residente desde 2018 em Shanghai, o centro econ?mico da China, a pesquisadora afirma se sentir no "epicentro de tudo o que é novidade no mundo”. Ela reconhece que “cada vez mais a ásia está se tornando o epicentro das transforma??es globais. Dessa perspectiva, estar em Shanghai é particularmente estimulante".
Tendo visitado a China por várias vezes antes de iniciar sua investiga??o na Universidade Fudan, Karin Costa Vazquez diz que, atualmente, o que mais a impressiona é o nível de ambi??o e vis?o, n?o só da lideran?a, mas também da popula??o para com seu país. “é algo que venho tentando compreender melhor e que se aplica à minha vida profissional e até pessoal. Acho que é muito inspirador aprender com estas experiências e tentar levá-las até meu país, o Brasil".