Hélio Rocha
Quando se fala no sucesso com que a China está combatendo a epidemia do chamado “coronavírus”, que já vitimou quase 1500 pessoas e contaminou outras 30 mil, mas mostra baixa taxa relativa de letalidade e quase nula dispers?o para além de seu foco na província de Hubei, trata-se do qu?o fundamentais s?o os sistemas públicos de saúde, bem como da importancia da organiza??o do Estado para a??o em momentos de crise. Hoje, reconhecidamente, a China é um dos países mais aptos a vencer epidemias e endemias, em grande parte devido ao modelo de organiza??o do Estado, com o qual o Brasil poderia aprender.
Aqui em terras sul-americanas os sistemas públicos de saúde sofrem as dificuldades dos países pobres. O Brasil até possui um dos sistemas públicos de saúde mais avan?ados do continente, talvez perdendo apenas para Canadá e para cubano, este último implementado pelo Partido Comunista nos anos 1960 e talvez o mais antigo e eficaz da regi?o. Mas tem dificuldades com a sua implanta??o num país grande e ainda de economia emergente.
Portanto, dada o desafio local em atender com qualidade e gratuidade aos 560 milh?es de latinoamericanos, por aqui os esfor?os coletivos para combater problemas de saúde, desde o saneamento urbano até surtos de doen?as tropicais, têm muitos obstáculos. Em 2018, por exemplo, sem nenhuma muta??o grave no vírus da gripe, H1N1, a doen?a matou 839 pessoas em todo o Brasil. Isso mostra a baixa letalidade do coronavírus, se comparada ao tamanho da popula??o chinesa e ao desconhecimento prévio de suas causas e efeitos. O que vem retardando a propaga??o do vírus e mantendo-o praticamente confinado à província de Hubei s?o os esfor?os e a eficácia do Governo chinês e de seu sistema público, capazes de erguer um novo hospital em dez dias, interromper a circula??o de voos e trens, manter a popula??o em casa e, ainda assim, n?o frear substancialmente a economia.
Portanto, por que, hoje, isto seria impossível na América Latina e, qui?á, em todo o ocidente? Porque em momentos em que s?o necessárias a uni?o, a colabora??o e o t?o caro e lapidado conceito de “harmonia”, fundamento da cultura chinesa, o sistema com que se organiza a sociedade ocidental ainda n?o permite tais esfor?os coletivos. N?o com o mesmo resultado. O conceito de indivíduo ainda é o sobressalente em nossos países, o que molda um tipo de democracia em que diferentes pontos de vista ainda n?o s?o t?o capazes de dialogar e colaborar em favor do patriotismo e do bem-estar do povo. Diferente do que ocorre com a China e suas 56 etnias e sete partidos políticos que atuam harmonicamente em colabora??o com o Partido Comunista Chinês.
Voltando ao Brasil, nosso sistema público, no papel, prevê a a??o governamental em procedimentos avan?ados como transplantes de órg?os, hemodiálise e tratamento para AIDS. Também em campanhas de conscientiza??o para vacina??o e a??es preventivas contra endemias tropicais (dengue, malária, febre amarela). Entretanto, ano após ano esses problemas retornam ao noticiário até que as quest?es acima sejam superadas.
Diferentemente, o modo de organiza??o chinês, nascido de uma cultura de 5 mil anos, mas modernizado pela implanta??o do comunismo pelo presidente Mao e pela reforma econ?mica do líder Deng Xiaoping em 1978, permite que a democracia sufragada inicialmente nos distritos urbanos e comunas rurais, e lapidada nas Assembleias até à Assembleia Nacional do Povo e o Poder Central, tenha por consequência um Estado mais unido e harm?nico, conforme argumenta o próprio presidente Xi em sua obra “A Governan?a da China”. Vislumbrando, inclusive, para todo o mundo um modelo mais coeso e menos fragmentado de democracia, reduzindo suas contradi??es sem perder o que a democracia tem de mais caro: a soberania popular.
O povo é soberano quando é capaz de se esfor?ar coletivamente para combater uma epidemia, ou, tomando pelo exemplo de nossos vizinhos, quando, com muito poucos recursos, embargado economicamente por todo o ocidente, consegue construir e usufruir de uma das saúdes públicas mais avan?adas do mundo, caso da democracia cubana, muito similar à chinesa. A quest?o dos modelos está amalgamada no sucesso com que a China vem enfrentando o coronavírus, que n?o se mede em números somente, mas no esfor?o coletivo que se nota a olhos vistos.
Isto posto, o ocidente deveria, em primeiro lugar, solidarizar-se e colaborar com a China com olhares para as vítimas, n?o para a economia. E, num segundo momento, questionar-se sobre o aprendizado que se pode tirar da organiza??o social chinesa, reerguida de muitas adversidades sob o pressuposto da colabora??o e da harmonia.
(O autor é jornalista Brasil 247 e Plurale)