Com a pandemia de Covid-19 em todo o mundo, vários oficiais governamentais e meios de imprensa associaram o vírus letal com Wuhan, a cidade chinesa onde o surto de Covid-19 foi primeiramente detetado.
Embora n?o haja provas indicando que o vírus origina de Wuhan, políticos como o presidente dos EUA, Donald Trump, referiram-se ao pat?geno como “vírus chinês” - um ato malicioso que originou crimes de ódio e descrimina??o contra comunidades asiáticas. A 7 de abril, a revista Nature publicou um editorial intitulado: “Parem com o estigma do coronavírus agora”, ressaltando que a pandemia está alimentando uma onda de racismo e descrimina??o, especialmente contra os povos asiáticos.
A educa??o e a investiga??o v?o também pagar o pre?o. A famosa revista exortou ao término da politiza??o do vírus e dos ataques racistas. “Seria trágico se o estigma, alimentado pelo coronavírus, levasse a que os jovens asiáticos abandonassem as universidades internacionais, interrompendo a sua educa??o, reduzindo as suas e as oportunidades de outros e deixassem a pesquisa mais pobre”, pode ler-se no artigo.
Segue-se o artigo completo:
Parem com o estigma do coronavírus agora
A pandemia está alimentando o racismo e descrimina??o deploráveis, especialmente contra os povos asiáticos. A educa??o e investiga??o ir?o também pagar um pre?o.
Quando a OMS anunciou em fevereiro que a doen?a causada pelo novo coronavírus chamar-se-ia de Covid-19, o nome foi rapidamente adotado por organiza??es envolvidas em comunicar informa??o de saúde pública. Além de nomear a doen?a, a OMS estava implicitamente enviando um sinal àqueles que haviam erroneamente associando o vírus a Wuhan e à China na sua cobertura noticiosa - incluindo a Nature. Isso foi um erro da nossa parte, pelo qual nos responsabilizamos e pedimos desculpa.
Ao longo dos tempos, era comum associar o nome das doen?as virais com os locais ou regi?es onde os primeiros casos ocorriam - tal como o síndrome respiratório do Oriente Médio, ou o vírus zika, cujo nome se associa a uma floresta no Uganda. Mas em 2015, a OMS apresentou as diretrizes para parar com esta prática e reduzir o estigma e impactos negativos, tais como medo ou fúria, dirigidos a estas regi?es e o seu povo. As diretrizes salientam que os vírus infetam todos os seres humanos: quando um surto ocorre, toda a gente está em risco, independentemente de quem seja ou de onde vem.
Ainda assim, à medida que os países se debatem para controlar a propaga??o do novo coronavírus, uma minoria de políticos continua usando um gui?o anacr?nico. O presidente Donald Trump repetidamente associou o vírus com a China. O deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro - filho do presidente Jair Bolsonaro - descreveu o sucedido de “culpa da China”. Políticos de outros países, incluindo o Reino Unido, est?o também dizendo que a responsabilidade é chinesa.
A continua??o da associa??o de um vírus e doen?a por ele causada com um local específico é irresponsável e tem de parar. Enquanto epidemiologista de doen?as infeciosas, Adam Kucharski lembra-nos no seu livro As Regras do Contágio, publicado em fevereiro, que a história determina a estigmatiza??o de comunidades, sendo que é, por isso, necessário o máximo cuidado. Em caso de dúvida, o melhor a fazer é buscar aconselhamento e interceder pelo consenso das evidências.
Ataques racistas
N?o o fazer tem consequências. é inequívoco que desde que o surto teve início, as pessoas com descendência asiática em todo o mundo foram alvo de ataques racistas, com custos humanos elevados - por exemplo, para a sua saúde e seu quotidiano. As autoridades dizem estar tornando os crimes de ódio uma prioridade máxima, mas para alguns essa conduta pode vir tarde demais, incluindo para muitos dos mais de 700,000 estudantes chineses de todos os graus acadêmicos a estudar fora da China. A maioria está na Austrália, Reino Unido e Estados Unidos. Muitos regressaram a casa após a suspens?o das institui??es onde estavam devido a quarentenas, outros n?o tiveram a possibilidade de o fazer. Os estudantes hesitam em voltar, em parte por medo de racismo, juntamente com a incerteza sobre o futuro dos seus cursos e por n?o saberem quando as viagens internacionais ser?o retomadas.
Estes jovens ir?o experienciar perdas humanas e materiais. Mas as implica??es para estudantes da China e de outros países asiáticos tem implica??es vastas para a academia também. Isto significa que as universidades em países afetados se tornar?o menos diversas - algo que n?o acontece há gera??es.
Uma perda para todos
Ao longo de décadas, as universidades lutaram para incrementar a diversidade, e os vários países implementaram políticas de encorajamento da mobilidade acadêmica internacional. A diversidade é valiosa por si só. Encoraja o entendimento e o diálogo entre culturas, bem como a partilha de pontos de vista e formas de estar. Sempre foi um combustível para a investiga??o e inova??o.
Além disso, um campus diverso é necessário para o melhoramento de políticas e estruturas, de modo a que universidades - e a publica??o de pesquisas - possam ser mais inclusivas. Muitas barreiras à diversidade se mantêm: na edi??o de abril da edi??o de física da Nature, por exemplo, investigadores e comunicadores de ciência da China, índia, Jap?o e Coréia do Sul, elencaram exemplos de descrimina??o e outros fatores que os previnem de ter voz em revistas internacionais (S. Hanasoge et al. Nature Rev. Phys. 2, 178–180; 2020).
Muitos líderes querem ouvir e agir sob aconselhamento científico especializado para lidar com esta pandemia e salvar vidas. Na terminologia, o aviso é claro: temos de fazer tudo que pudermos para evitar e reduzir a estigmatiza??o; n?o associar a Covid-19 com grupos de pessoas ou locais específicos; e enfatizar que os vírus n?o descriminam - todos estamos em perigo.
Seria trágico se o estigma, alimentado pelo coronavírus, levasse a que os jovens asiáticos abandonassem as universidades internacionais, interrompendo a sua educa??o, reduzindo as suas e as oportunidades de outros e deixassem a pesquisa mais pobre - especialmente quando o mundo depende dela para se recompor.
O estigma do coronavírus tem de parar - agora.