Nota do editor:
Após a dissemina??o desenfreada do COVID-19 pelos Estados Unidos - uma na??o que tem mais conhecimentos, recursos, planos e experiência epidemiológica do que a maioria dos outros países do mundo - o número de mortes causado pelo vírus letal alcan?ou o topo do ranking mundial e prevê-se que supere o das guerras da Coréia, Vietn?, Afeganist?o e Iraque juntas.
Investigando a raz?o por detrás da falha dos EUA em conter a dissemina??o do COVID-19, o Washington Post publicou um relatório extenso e detalhado no qual refere que os EUA foram assolados pela nega??o e disfun??o quando o coronavírus se propagou em for?a a 4 de abril, consequência das falhas durante os primeiros 70 dias da crise. O relatório baseia-se em 47 entrevistas com funcionários da administra??o, especialistas de saúde pública, agentes de inteligência e outros envolvidos no combate à pandemia.
O relato observou ainda que o fracasso dos EUA deve-se ao colapso de esfor?os para desenvolver um teste de diagnóstico que possa ser produzido e distribuído em massa por todo o país, bem como à disfun??o do governo dos EUA e à nega??o do vírus por parte dos políticos, apesar das constantes advertências da China e de outras na??es. O artigo concluiu que, desde o Sal?o Oval até o CDC, falhas políticas e institucionais caíram em cascata pelo sistema e as oportunidades para mitigar a pandemia foram perdidas.
Segue-se abaixo uma vers?o abreviada do artigo original.
Quando Donald Trump se proclamou presidente de guerra - e o coronavírus o inimigo - os Estados Unidos já estavam a caminho de ver mais pessoas morrerem do que nas guerras da Coréia, Vietn?, Afeganist?o e Iraque juntas.
O país adotou uma série de medidas nunca empregadas coletivamente na história dos EUA - proibindo os viajantes provenientes de dois continentes, levando o comércio à quase total paralisa??o, alistando a indústria para fazer equipamentos médicos de emergência e confinando 230 milh?es de americanos em suas casas na tentativa de sobreviver a um ataque de um adversário invisível.
Apesar desses e de outros passos extremos, os Estados Unidos provavelmente cair?o como o país que supostamente estava melhor preparado para combater uma pandemia, mas acabou catastroficamente superado pelo novo coronavírus, apresentando baixas mais pesadas do que qualquer outra na??o.
N?o tinha de acontecer assim. Embora n?o estejam perfeitamente preparados, os Estados Unidos tinham mais conhecimento, recursos, planos e experiência epidemiológica do que dezenas de países que acabaram se saindo muito melhor no combate ao vírus.
O fracasso ecoou no período que antecedeu o 11 de setembro: soaram avisos, inclusive nos mais altos níveis do governo, mas o presidente permaneceu surdo até o inimigo ter realmente atacado.
O governo Trump recebeu sua primeira notifica??o formal do surto de coronavírus na China em 3 de janeiro. Em poucos dias, as agências de espionagem dos EUA estavam sinalizando a seriedade da amea?a a Trump, incluindo um aviso sobre o coronavírus - o primeiro de muitos - nas notifica??es diárias ao presidente.
Todavia, foram necessários 70 dias desde a notifica??o inicial para Trump tratar o coronavírus n?o como uma amea?a distante ou uma variedade inofensiva de gripe sob controle, mas como uma for?a letal que havia ultrapassado as defesas da América e estava pronta para matar dezenas de milhares de cidad?os . Esse período de mais de dois meses agora permanece como um momento crítico desperdi?ado.
As afirma??es infundadas de Trump nessas semanas, incluindo sua afirma??o de que tudo iria "milagrosamente" desaparecer, semearam uma confus?o significativa entre o público e contradiziam as mensagens urgentes de especialistas em saúde pública.
“Enquanto a mídia prefere especular sobre alega??es ultrajantes de intrigas no palácio, o presidente Trump e este governo permanecem completamente focados na saúde e seguran?a do povo americano, que trabalha 24 horas por dia para retardar a propaga??o do vírus, expandir os testes e acelerar a vacina desenvolvimento ", afirmou Judd Deere, porta-voz do presidente.
"Devido à lideran?a do presidente, emergiremos desse desafio saudáveis, mais fortes e com uma economia próspera e crescente".
O comportamento do presidente e as declara??es combativas foram meramente a camada visível sobre níveis mais profundos de disfun??o.
A falha mais consequente envolveu um colapso nos esfor?os para desenvolver um teste de diagnóstico que pudesse ser produzido e distribuído em massa pelos Estados Unidos, permitindo que as agências mapeassem os primeiros focos da doen?a e impusessem medidas de quarentena para contê-los. A certa altura, um funcionário da Administra??o de Alimentos e Medicamentos (FDA) entrou em contato com funcionários laboratoriais doo Centro de Controle e Preven??o de Doen?as (CDC), relatando-lhes seus lapsos no protocolo, incluindo preocupa??es sobre o n?o cumprimento de critérios de condi??es estéreis - t?o sérios que a FDA “encerraria” o CDC se este fosse uma entidade comercial, e n?o governamental.
Outras falhas atingiram sucessivamente o sistema. A administra??o parecia estar semanas atrasada na rea??o à dissemina??o viral, fechando portas que já estavam contaminadas. Discuss?es prolongadas entre a Casa Branca e agências de saúde pública sobre financiamento, combinadas com um estoque insuficiente de suprimentos de emergência, deixaram vastos trechos do sistema de saúde do país sem equipamento de prote??o até o surto se tornar uma pandemia. Lutas internas e mudan?as abruptas de lideran?a atrapalharam os trabalhos da task force do coronavírus.
N?o se sabe quantos milhares de mortes ou milh?es de infe??es poderiam ter sido evitadas com uma resposta mais coerente, urgente e eficaz. Mas mesmo agora, há muitas indica??es de que o tratamento da crise pela administra??o teve consequências potencialmente devastadoras.
Até os apoiantes do presidente come?aram a enfrentar essa realidade. Em meados de mar?o, quando Trump estava se intitulando de presidente de guerra e exortando o público a ajudar a retardar a propaga??o do vírus, os líderes republicanos estavam debru?ando-se sobre dados sombrios de pesquisas que sugeriam que Trump estava levando seus seguidores a uma falsa sensa??o de seguran?a - uma amea?a letal.
As pesquisas mostraram que muito mais republicanos do que democratas estavam sendo influenciados pelas descri??es desdenhosas de Trump do vírus e pela cobertura com tom jocoso da Fox News e de outras redes conservadoras. Como resultado, os republicanos estavam em grande número se recusando a mudar planos de viagem, seguir diretrizes de “distanciamento social”, ou levar a sério a amea?a do coronavírus.
"A nega??o provavelmente n?o será uma estratégia bem-sucedida de sobrevivência", concluiu Neil Newhouse, pesquisador do Partido Republicano, em um documento que foi compartilhado com os líderes do Partido Republicano no Capitólio e discutido amplamente na Casa Branca. Os apoiadores mais fervorosos de Trump, dizia, estavam "colocando a si mesmos e a seus entes queridos em perigo".
A mensagem de Trump foi mudando à medida que o relatório passava pelas posi??es seniores do Partido Republicano. Nos últimos dias, Trump se irritou com lembretes em que alegou que o número de casos em breve seria "reduzido a zero".
Mais de 7.000 pessoas morreram de coronavírus nos Estados Unidos até agora, com cerca de 240.000 casos relatados. Mas Trump reconheceu que novos modelos sugerem que o eventual número de nacional de mortes pode ser entre 100.000 e 240.000.
Além do sofrimento de milhares de vítimas e suas famílias, este resultado alterou a posi??o internacional dos Estados Unidos, prejudicando e diminuindo a sua reputa??o como líder global em tempo de adversidades extraordinárias.
"Foi um verdadeiro golpe no sentido de que os EUA eram competentes", disse Gregory F. Treverton, ex-presidente do Conselho Nacional de Inteligência, o principal fornecedor de análises de inteligência do governo. Ele deixou a NIC em janeiro de 2017 e agora leciona na Universidade do Sul da Califórnia. “Isso fazia parte do nosso papel global. Amigos e aliados tradicionais olhavam para nós porque pensavam que poderíamos ser chamados com competência para trabalhar com eles em uma crise. Isto tem sido o oposto disso”.
Este artigo, que tra?a as falhas nos primeiros 70 dias da crise do coronavírus, baseia-se em 47 entrevistas com funcionários da administra??o, especialistas em saúde pública, agentes de inteligência e outros envolvidos no combate à pandemia. Muitos falaram sob condi??o de anonimato para discutir informa??es e decis?es confidenciais.
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